Tenho uma particular atração por aviões alemães e japoneses
da II Guerra Mundial. E agora teria uma chance primorosa de colocar a mão e até
entrar no cockpit de um torpedeiro Nakajima B6N Tenzan “Jill” da Marinha Imperial japonesa!
O naufrágio estava no fundo de areia branca, a 37 metros da superfície,
dormitando há 68 anos naquele leito macio da laguna, poderosa base japonesa
atacada pelos americanos em 17 de fevereiro de 1944. Já estava ali bem antes de
eu nascer.
Desci ao fundo com nosso guia trukês, o Tomo, e mais dois companheiros,
o inglês Patrick e o português Luís Mota, ambos experimentados mergulhadores. A
âncora da lancha unhou em um cabeço de coral, a certa distância do avião, e isso
não foi bom, por que tivemos que percorrer cerca de 20 metros até o naufrágio,
consumindo um precioso ar.
A visibilidade não estava das melhores, mas mesmo assim foi
uma imagem maravilhosa. Este Jill foi abatido pelos Hellcats. A fuselagem está
com diversos buracos de projéteis .50 e tudo leva a crer que ele tentava
decolar quando ocorreu o ataque. A posição do naufrágio está a cerca de 280 m do alinhamento da pista
do aeródromo da Ilha Eten.
Nadamos em volta do torpedeiro. É emocionante! A hélice tem
quatro pás, duas delas permanecem enterradas no solo marinho. As outras lâminas,
visíveis, estão com as pontas tortas, indicando que ainda giravam quando o
avião atingiu a água. A antena do rádio permanece na sua posição. O cone da
hélice também.
A cabine está aberta e no interior não há restos humanos.
Possivelmente a tripulação tenha conseguido se safar. Estão ali os três
assentos, o painel de instrumentos, o manche do piloto e seus pedais. Encontro
a metralhadora flexível do artilheiro de ré, uma Type 97 de 7,7 mm e alguns carregadores
tipo carrossel, todos ainda alimentados. Uma tentação medonha de pegar aquilo
tudo e levar para a superfície! Coloco a arma com todo o cuidado sobre a fuselagem,
impressionante, um calafrio, os dedos ardem. Não posso levar, tem que ficar
ali.
A metralhadora 7,7 mm encontrada pelo Nestor. |
Lembro que este avião transportava um torpedo Lança-Longa na
sua versão aérea, considerado o mais letal torpedo da II Guerra Mundial. Naturalmente
o engenho não está sob o avião.
Depois todo mundo quer “embarcar” no Jill e desfraldar no
cockpit a bandeira do Sol Nascente! Há muita vida marinha nos destroços.
Esponjas, coral, ouriços, peixinhos, conchas, bivalves, etc. Lembro então que
este torpedeiro foi descoberto por mergulhadores do SS Thorfinn (nosso
navio-base) em 1988.
Na cabine do Jill, com a bandeira da Marinha Imperial. |
Mais uma volta; nesta profundidade o ar esgota rapidamente e
estou um pouco ansioso. É muita história: por toda a parte o tempo parou. A
cauda está quase completa, com o alumínio ainda liso, faltando unicamente o
tecido nos planos móveis, dissolvidos pelo tempo. Estou sem luvas e passo a mão
pela superfície das asas. Não há mais pintura de camuflagem, somente a sensação
de estar alisando algo gosmento, estranho ao tato.
O guia vem até onde estou. Levanta o polegar para mim, sinal
de “subir”! O tempo de fundo está esgotado. Minha nossa, meu manômetro já entrou
na faixa vermelha! Somente 13 minutos. Faço que não entendo. “Por favor, só
mais um minutinhoooo...”. Agora o guia
repete o sinal, com energia, subir. Superfície! Teremos ainda a parada de
segurança a cinco metros.
Então o deixamos em paz. Uma máquina de destruição legendária que
aqui repousará calmamente, com todos os seus segredos, até ser absorvida pelo
tempo. Inesquecível.
Nestor
Fonte: SALA DE GUERRA - por Nestor Magalhães
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