Existe uma série de estereótipos que, em grande parte, determinam a imagem da China não só no mundo, mas também na própria China. Acredita-se que os chineses não sabem e não querem guerrear, que a China historicamente não está inclinada nem é capaz de expansão, que a cultura chinesa implica passividade e pacifismo na política externa.
Esses estereótipos vêm do período semi-colonial da história chinesa, que começou com a Primeira Guerra do Ópio.
A
literatura de ciência política muitas vezes faz referência a certos
cânones de Confúcio, os quais, supostamente, indicam que os chineses têm
tendência para o compromisso e para evitar conflitos violentos. Tais
referências dificilmente podem ser consideradas corretas. Se a cultura
chinesa é, basicamente, confucionista, a europeia é cristã. O
cristianismo, em seu sermão de paz, de amor fraterno e de perdão aos
inimigos vai muito mais longe do que qualquer outra religião de massa.
Isso não impediu a Europa, no seu tempo, de se tornar a região mais
militarizada do planeta, e os países europeus de conquistarem e
subjugarem muitos países e povos. O impacto de fatores culturais e
religiosos sobre a política externa e assuntos militares não deveria ser
exagerado.
Na realidade, a expansão territorial da
China foi contida ao longo da história, não por fatores culturais,
ideológicos ou religiosos, mas por fatores naturais e técnico-militares.
O império chinês, ainda durante a dinastia Han, atingiu os limites
naturais, o avanço além dos quais era difícil de realizar. Estepes e
desertos, montanhas e florestas densas eram obstáculos quase
intransponíveis para os exércitos do impérios agrícolas pré-industriais.
Mesmo que eles conseguiam passar por esses obstáculos, manter os ganhos
em lugares tão dificilmente acessíveis era impossível por causa de
dificuldades de provisionamento e gestão.
E, mesmo
assim, ao longo de muitos séculos de sua história, "não tendendo para a
expansão", o império chinês regularmente tentou se expandir para além
dos limites ditados pela natureza. Mas as regularmente intentadas
campanhas militares para Coreia, Indochina, Ásia Central, Tibete,
pesadas e caras, ou terminavam em fracasso, ou então, as conquistas
resultantes não podiam ser controladas por muito tempo.
As
limitações naturais da expansão territorial do país foram superadas com
a chegada ao poder, no século 17, da dinastia Manchu de Qing, que
atraiu para as campanhas números significativos de cavaleiros manchus e
mongóis, acostumados à natureza severa. Embora o governo de Qing muitos
associam com estagnação, declínio e derrotas, no estágio inicial de sua
história ele levou a China a aproximadamente um século de prosperidade
sem precedentes e à mais rápida expansão territorial na história do
país.
Infelizmente, a força da China virou sua
fraqueza. Garantido pela própria geografia, o papel de potência regional
hegemônica levou à estagnação no campo da organização militar. A China
ficou fora da revolução nos assuntos militares que teve lugar na Europa
nos séculos 15-17, e que tinha a ver não tanto com a proliferação de
armas de fogo como com uma mudança de tática, do sistema de recrutamento
e comando das tropas. Este período de fraqueza militar da China em face
das potências ocidentais e do Japão, que se tornou bastante evidente
ainda no século 18, dificilmente está relacionado com quaisquer
características culturais, nacionais ou históricas dos chineses.
O
pouco sucesso da China nas guerras do século 19 e início do século 20, e
o estereótipo do chinês como um mau soldado são apenas um resultado de
fatores políticos, econômicos e institucionais. Se tentarmos avaliar as
qualidades morais e psicológicas individuais dos soldados chineses, não
há necessidade de procurar por exemplos muito longe: milhares de
chineses participaram na guerra civil na Rússia. Tendo sido incluídos
numa organização militar moderna e eficaz, essas pessoas demonstraram
qualidades individuais excepcionalmente altas.
A
atitude da China para com a guerra e a expansão é um problema tanto da
política global, como da política doméstica da China. Após a
transformação da China numa superpotência econômica, inevitavelmente
está acontecendo a sua emergência como a principal potência militar do
mundo. Estão sendo divulgadas muito fortemente teorias sobre a ameaça
chinesa. Por outro lado, a opinião pública chinesa está se inclinando
cada vez mais em favor de uma proteção mais rígida dos seus interesses,
inclusive por meios militares. O governo da China é muitas vezes
criticado por sua fraqueza e indecisão.
Como acontece com outros
países, a política da China é o produto de um complexo conjunto de
fatores políticos e econômicos e de sua avaliação pela liderança
chinesa. Como em qualquer outro país, sob a influência desses fatores,
ela pode mudar de qualquer forma possível.
Fonte: A Voz da Russia
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