... Uma estrada, uma ferrovia, um porto? A solução para a crise aguda na infra-estrutura é privatizar só falta o governo acordar
LEONARDO ATTUCH E ADRIANA NICACIO - ISTO É DINHEIRO
POUSO EM BRASÍLIA: dinheiro público não basta para modernizar aeroportos |
Raras vezes um ministro tomou tantas decisões em tão pouco tempo. De uma só tacada, Nelson Jobim trocou o comando da Infraero, transferiu vôos de Congonhas para Guarulhos, anunciou a criação de uma secretaria da aviação e ainda lançou a nova malha aérea, que irá redistribuir as conexões entre os aeroportos brasileiros. "Vai haver desconforto, mas é o preço a pagar pela segurança", disse o novo ministro da Defesa. A disposição de enfrentar a crise aérea de frente, que contrasta com a inação do antecessor Waldir Pires, conta pontos a favor de Jobim. Mas é pena que ele não tenha incluído nos discursos a palavra privatização. Isso porque jamais houve tanta fartura de recursos no mundo para financiar projetos de infra-estrutura. "Privatizar faria com que o Brasil tivesse acesso a grandes volumes de capital que não só modernizariam os aeroportos, como reforçariam a segurança", afirmou à DINHEIRO o especialista americano Robert Poole, da Reason Foundation, que já foi assessor da Casa Branca em temas ligados a transportes. Poole argumenta que, em todos os países onde houve concessões a agentes privados, os ganhos de produtividade financiaram melhorias na segurança dos terminais.
O QUE FALTO QUE FALTA: R$ 12 bilhões é quanto o Brasil deveria investir no setor aeroportuário até 2010
PORTOS: terminais, como o de Santos, hoje são eficientes, mas falta licitar mais áreas |
Em Brasília, até agora, apenas a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, abriu uma pequena janela para a privatização. Em conversas reservadas, Dilma defendeu a abertura de capital da estatal Infraero, com a venda de 25% das ações a grupos privados - o que seria pouco. Jobim, no entanto, disse que tem problemas mais prementes para tratar e engavetou o assunto. A questão é que sua primeira decisão, a de transferir vôos de Congonhas para Cumbica, apenas colaborou para demonstrar o estrangulamento do setor aeroportuário. Diversos especialistas afirmaram que a pista mais extensa de Guarulhos está em péssimas condições de uso e disseram ainda que o aeroporto também opera perto do seu limite. "O governo não tem dinheiro nem capacidade para resolver o problema sozinho, num momento em que há muita disposição do setor privado em investir", diz o exministro Ozires Silva, que foi um dos fundadores da Embraer. "Portanto, não faz o menor sentido querer monopolizar o setor." Estimativas conservadoras apontam que os aeroportos brasileiros necessitariam de pelo menos R$ 12 bilhões até 2010. A Infraero, no entanto, dispõe de apenas R$ 2,5 bilhões e, como tem sido alvo de intenso loteamento político nos últimos anos, gasta muito mal seus recursos. "A empresa só atrairá investidores se for saneada e deixar de ser um cabide de empregos", aponta Álvaro Bandeira, presidente da Associação Nacional dos Analistas de Mercado. Espera-se que a mudança comece com a indicação do técnico Sérgio Gaudenzi, da Agência Espacial Brasileira, para a presidência da estatal.
ENERGIA: até o governo admite hipótese de novo apagão elétrico em 2011 | ESTRADAS: editais foram lançados só agora, com quatro anos de atraso |
No mundo, a experiência de privatização aeroportuária teve início em 1987, quando o governo britânico leiloou a concessão da British Airport Authority (BAA), que hoje é administrada pelo grupo espanhol Ferrovial. Só no terminal londrino de Heathrow, o maior dos sete aeroportos da BAA, estão sendo investidos 4 bilhões de euros. Depois dos ingleses, a privatização chegou a vários outros países da Europa, ao Chile, à Austrália e até mesmo a países africanos. Hoje, segundo um relatório da consultoria Arthur D. Little, 45% do tráfego mundial de passageiros passa por aeroportos privados - e essa proporção tende a crescer. Segundo Laurent Delarue, sócio da consultoria, em todos os aeroportos privatizados, houve ganhos de eficiência. Uma das privatizações mais recentes aconteceu no terminal de El Dorado, em Bogotá, na Colômbia, em 2006. "Sete grupos se apresentaram e o consórcio vencedor se comprometeu a investir US$ 650 milhões na ampliação do aeroporto", disse à DINHEIRO Camilo Gonzalez, sócio da KPMG, que assessorou o governo colombiano no processo. Em setembro, Gonzalez virá ao Brasil e, acompanhado do sócio Márcio Lutterbach, fará visitas a várias autoridades para "vender" a idéia da privatização. "Se o governo decidir colocar bons projetos na rua, haverá dinheiro de sobra", garante Lutterbach. "O importante é que haja regras claras e estáveis", reforça Paulo Godoy, presidente da Abdib, a associação que representa as indústrias de base.
DILMA ROUSSEFF: ministra apóia a idéia de atrair sócios privados ao setor |
É aí que entra um outro problema. Até agora, o governo Lula não só tem demonstrado aversão à idéia de privatização como também esvaziou as agências reguladoras. Um exemplo da falta de convicção em relação ao capital privado ocorre nas estradas federais. Logo que chegou ao poder, o presidente Lula herdou um programa que previa a concessão de sete trechos de estradas, dois deles importantíssimos: a Fernão Dias e a Régis Bittencourt. Havia muitos interessados na fase de pré-qualificação em 2003 e contava-se que o projeto, dado o interesse público, ganharia a devida urgência. Só agora, depois que a ministra Dilma Rousseff entrou em cena para reduzir os pedágios e as taxas de retorno dos projetos, é que os editais foram lançados. "As condições dos leilões das estradas ficaram bem menos atrativas", critica Moacyr Coelho, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). Ele prevê que grandes grupos ficarão de fora das licitações. O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, no entanto, aposta que o leilão será bem-sucedido, com o argumento de que o faturamento previsto nos sete trechos para os próximos 25 anos é de R$ 39 bilhões. "Haverá um forte interesse privado", garante ele.
ONDE TEM CAPITAL PRIVADO, EXISTE RESULTADO.ONDE NÃO HÁ, SOBRAM PROBLEMAS
NELSON JOBIM: várias ações na primeira semana e nenhum sinal ao mercado |
Pode até ser que o governo tenha razão e que os empresários estejam apenas reclamando de uma redução nos pedágios e nas margens de lucro das concessões. Mas o fato é que, em outras áreas vitais para o País, como energia e portos, há também muita apreensão. No setor elétrico, o governo admitiu na semana passada a possibilidade de um apagão em 2011, caso a economia continue crescendo 4,5% ao ano. "Os empresários não têm segurança para investir diante do risco de falta de energia", diz o ex-ministro Delfim Netto. No setor portuário, não faltam problemas. De R$ 465 milhões que deveriam ser investidos no setor, o governo desembolsou apenas R$ 13 milhões no primeiro semestre. O PAC prevê investimentos de R$ 2,6 bilhões, quando a modernização dos portos exigiria R$ 5 bilhões. Na visão dos empresários, só há uma saída para os portos: privatização. E onde ela foi feita, os resultados foram positivos. O problema é que privatizar ainda representa um palavrão para grande parte do governo.
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